Como cumprir a Constituição sem cadeias adequadas



O juiz Gerivaldo Neiva, de Conceição do Coité (BA), voltou a tratar, em seu blog, do caso de Abaetuba (PA), por entender que era necessário esclarecer a intenção de seu comentário anterior --reproduzido neste Blog e em outros sites-- e "as várias interpretações diferentes da que pretendia inicialmente", como explica.

 Sem perder o humor habitual naquele espaço, o magistrado ilustra o post com a foto ao lado, afirmando: "Sem querer, querendo, como diz o velho Chaves, parece que abri um debate nacional".
Eis o novo comentário do juiz:
Publiquei no blog que mantenho na Internet (www.gerivaldoneiva.blogspot.com), em 05/05, um comentário sobre o caso da Juíza Clarice Maria, da Comarca de Abaetetuba – PA, recentemente aposentada compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça.

Parafraseando o Pequeno Príncipe, obra famosa de Antoine de Saint-Exupéry, intitulei assim a postagem: “tu te tornas eternamente responsável pelo flagrante que homologas”.

Pois bem, logo no dia seguinte, o Blog do Fred (do Jornalista Frederico Vasconcelos) e o site Consultor Jurídico (Conjur) também publicaram o texto, além de outros blogs nesta imensa e quase infinita blogsfera.

Li vários comentários sobre o texto no blog que mantenho e também em outros blogs. De um lado, fiquei feliz com a repercussão e pelo debate que o texto suscitou. De outro lado, fiquei frustrado ao perceber que não consegui me comunicar com perfeição e o texto terminou sofrendo várias interpretações diferentes da que pretendia inicialmente.

Sendo assim, primeiro quero deixar claro que jamais foi intenção minha questionar a decisão do CNJ ou pregar desobediência à Lei ou aos órgãos que compõem o Poder Judiciário Brasileiro. Aliás, para um Magistrado é obrigatório ter ciência dos limites que a Loman lhe impõe com relação às decisões de outro Juízo ou Tribunal. Fica, portanto, registrado o esclarecimento e a retratação.

A proposta do texto, portanto, era simplesmente suscitar um debate sobre os cuidados que deve observar o Juiz de Direito no momento da homologação de um flagrante, considerando o entendimento do CNJ no sentido de que “o Juiz de Direito, ao examinar o auto de prisão em flagrante delito torna-se responsável pela prisão levada a efeito bem como pela regularidade do encarceramento do preso.”

Discussão esta motivada, é bom que se frise, por minha atuação como Juiz de Direito de Comarca do interior da Bahia e responsável, já que titular de Comarca com Jurisdição Plena, pela homologação dos flagrantes que me são apresentados.

Ora, se a jurisprudência emanada do CNJ firma o entendimento de que o Juiz, ao homologar o flagrante, torna-se responsável pela prisão e regularidade do encarceramento, como deve agora o Juiz agir, estando o preso em um local fora de seu alcance momentâneo, para que os preceitos constitucionais sejam garantidos? No caso específico, o preceito em discussão está assim disposto no texto constitucional: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. (CF, art. 5º, XLVIII).

De fato, sabemos todos nós que trabalhamos nesta área, pelo menos no interior da Bahia, que poucas Delegacias de Polícia, para onde quase sempre são levados os presos em flagrante, dispõem de “estabelecimentos distintos” para manter separados os presos por “idade” e por “natureza do delito”. Não se cogita aqui, por evidente, a manutenção de homens e mulheres na mesma cela.

Esta, portanto, é a questão que merece ser debatida por todos (policiais, Delegados, Promotores etc) que de alguma forma tem responsabilidades com a prisão em flagrante. Assim, temos de um lado, diante do cumprimento das formalidades legais, a necessidade de manter a maioria dos flagrantes que nos são apresentados e, de outro lado, somos também responsáveis pelas condições do encarceramento do preso, embora sabendo que a Delegacia de Polícia não tem a menor condição de cumprir o preceito constitucional de separar os presos por idade ou por natureza do delito. O que fazer? Homologa o flagrante em nome da garantia da ordem pública ou deixa de homologar para garantir o preceito fundamental do preso?
Como disse, este é o debate proposto: é preciso e imperioso cumprir a Constituição, mas sabemos que Cadeias Públicas e Penitenciárias não estão adequadas para garantir o cumprimento das garantias fundamentais. Assim, cumprimos a Constituição e soltamos os presos ou descumprimos a Constituição para manter os presos? Há meio termo? Qual?
Por fim, com relação a punição imposta à Juíza da Comarca de Abaetetuba, pretendi apenas observar que o sistema prisional é deficiente e precário (o próprio Ministro Peluso afirmou isto recentemente); que as penitenciárias estão superlotadas; que são milhares de presos provisórios à espera de julgamento e, por fim, que uma juíza, mesmo tendo sido omissa, não pode expiar por esta culpa com a pena máxima.

A defesa pública da Juíza, aliás, já foi promovida pela Associação dos Magistrados do Estado do Pará – Amepa e pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais - Anamages. No Estado Democrático de Direito, por fim, caberá ao STF decidir sobre o caso e a todos nós aceitarmos a decisão.
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FREDERICO VASCONCELOS
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Escrito por Dennis Nobre

Dennis Nobre é técnico administrativo pelo CONFEA, cedido para o orgão Crea-DF, é Bacharel em Direito, Pós graduando em Direito Público, servidor do setor de Fiscalização Externa do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Distrito Federal, foi controlador de produtividade da fiscalização Profissional do Crea-DF e hoje pesquisa e escreve sobre Constitucionalidade e tem grande interesse por toda matéria de Direito Civil, Direito Público e Penal.

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