Inimigo do Ciclista |
Na chegada ao shopping, a primeira surpresa: o acesso de pedestre não está pronto. Contornei o terreno e avistei o estacionamento. A placa próxima à entrada sinalizava para carros (valet) e motos.
Funcionário: Aqui nessa parte não tem.
Eu: Então, onde posso parar?
Funcionário: Essa área é a internacional. Não tem lugar pra bicicleta.
Eu: Internacional, como assim?
Funcionário: É, por causa da Luis Vuiton. É área de acesso à loja.
Eu: Se não tem vaga na área internacional, onde posso parar?
Funcionário: Dá a volta e vê se tem na outra parte.
Não precisa recorrer a exemplos do exterior para constatar que o acesso a lojas pode ser mais democrático, de forma a possibilitar o acesso de ciclistas. Aqui na capital federal, o Conjunto Nacional dispõe, há mais de um ano, de vagas gratuitas e cobertas para bicicletas. Foi feita, inclusive, campanha de estímulo ao uso de bicicleta.
Infelizmente, a área internacional do Iguatemi não teve como inspiração a Holanda ou Dinamarca, países que notadamente incentivam o uso de bicicleta.
O chamado acostamento ciclável (nome dado pelo governo ao espaço reservado aos ciclistas nos acostamentos de algumas vias) só começa a cerca de 500 metros do shopping e não segue até o final do Eixão Norte (DF-002). Em frente ao centro comercial não existe sequer o acostamento “normal”. Apesar de o governo qualificar como ciclável o espaço no Lago Norte, o código de trânsito já prevê a circulação de bicicletas no acostamento, sem necessidade de qualquer obra. A definição da lei é clara: “acostamento - parte da via diferenciada da pista de rolamento destinada à parada ou estacionamento de veículos, em caso de emergência, e à circulação de pedestres e bicicletas, quando não houver local apropriado para esse fim”.
O acostamento que existia no Lago Norte cedeu espaço para a terceira faixa de circulação de carros, do shopping Deck Norte até a ligação com o final do Eixão.
Apesar das mortes e dos ferimentos frequentes de ciclistas, decorrentes da falta de condições propícias às pedaladas, o órgão de trânsito não possui campanha voltada especificamente ao uso da bicicleta como meio de transporte. “Não tem nada voltado ao ciclista, não temos ação prevista. No momento, estamos focados no pedestre, em função do aniversário da campanha da faixa de pedestre”, afirma Maria da Penha, assessora de comunicação do Detran-DF.
A sinalização dos acostamentos cicláveis do Lago Norte está incompleta e não corresponde ao previsto no projeto inicial. Segundo o informativo do Pedala-DF distribuído em março de 2009, os pontos de conflito entre ciclistas e motoristas estariam destacados com pintura vermelha.
O gerente do Programa Cicloviário do Distrito Federal (Pedala-DF), Leonardo Firme, foi procurado por e-mail. Foram enviadas perguntas sobre as condições de segurança aos ciclistas a via que passa pelo Lago Norte. No entanto, não houve respostas.
O discurso do GDF de priorização do transporte não motorizado e o fato de haver uma gerência (Pedala-DF) apenas para tratar da mobilidade por bicicleta não resistem a uma breve caminhada pela cidade. É fácil constatar que pedalar e caminhar em Brasília, mesmo na área central, são tarefas árduas. A mega-frota motorizada (segundo o Detran-DF , a frota já chega a 1 milhão e 162 mil carros) ganha mais espaço por meio das diversas obras viárias projetadas e em execução. A prioridade ao automóvel que ocorre na prática contraria diversas leis em vigência no Distrito Federal, inclusive a Lei Orgânica, que preveem justamente a prioridade ao transporte não motorizado (confira abaixo).
A meta inicial de 600 km de ciclovias, que seriam entregues até 2010, certamente não será alcançada. E o Plano Piloto, que concentra a maioria dos empregos e dos deslocamentos diários, ainda se caracteriza pelas vias expressas e pela carência de vias e segurança para ciclistas. O projeto do governo que pretende disponibilizar estações para aluguel de bicicletas, previsto inicialmente para o ano passado, também não saiu do papel.
Já em vigência, a lei distrital nº 4.397/2009 criou o sistema cicloviário do Distrito Federal e prevê incentivos ao uso da bicicleta. No artigo segundo, a lei afirma que o sistema será composto por dois itens: rede viária para o transporte por bicicletas, formada por ciclovias, ciclofaixas, faixas compartilhadas e rotas operacionais de ciclismo; locais específicos para estacionamento: bicicletários e paraciclos.
Outras leis distritais que estimulam o uso da bicicleta podem ser citadas: Lei n° 3.639/2005, que impõe a criação de ciclovia em rodovias; Lei n° 3.721/2005, que institui oficialmente a Jornada Na Cidade sem Meu Carro e o Dia da Mobilidade e Acessibilidade em favor do uso da bicicleta; Lei n° 3.885/2006, que assegura a política de mobilidade urbana de incentivo ao uso da bicicleta; Lei n° 4.030/2007, que cria o Dia do Ciclista (26 de outubro) e prevê a realização de eventos, como debates e palestras, com o objetivo de difundir o uso da bicicleta; Lei n° 4.216/2008, que permite o transporte de bicicleta no metrô.
De forma semelhante, nossa Lei Maior, a Lei Orgânica do Distrito Federal, prevê a priorização do transporte não motorizado. O capítulo sobre transporte (artigo 335, parágrafo segundo) estabelece: “O Poder Público estimulará o uso de veículos não poluentes e que viabilizam a economia energética, mediante campanhas educativas e construção de ciclovias em todo o seu território.”
publicado no Bicicletadadf.Blogspot.com
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